domingo, 28 de novembro de 2010

A Flor do Silêncio


A folha em branco. A
pele. O flanco. A tela o banco.
O som do espanto. Um canto
de solitários encantos
descascados.

Brandos finais.

Mortes agudas. Mudas que
se nascem. Escutas?
Silêncio de folhas
maduras e secas.
Nesgas de pele despida.
Vida.
Limite oco
fértil kaiçara do ovo.
A casca friável do sol
partido renasce cuspida
a fome que nos come o
sentido. Umbigo desnutrido. E fico.

Infinito excesso expelido
em camadas largas.
A lucidez dos degraus
da escada.
Larvas extintas fecundadas.
Flor que por
fim se despetala.
Adubo da fala. Cor da
dor inequívoca.
Limítrofe carnívora
do sopro extinto
de pudor.
Aura lançada,
externa, a estúpida
calçada onde
ficou prisioneiro
o Amor.

Shala Andirá

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

figurante clandestina da língua _ A Dor Aguda de um Universo Partido

o manto gelado do ar envolve
a ausência de movimento
as lágrimas do caos são de vidro incidental
meu corpo revestido de couro curtido

abrigo
aguarda poder sair
(extremada Senhora a tal
arte
existe no invisível imprevisível
de toda parte)
mas onde havia de chegar a minha dor.
eis a bela!
e o sono
e a treva
e o vasto
sobre seu humano reinado
as coisas andam passando por mim
e meu baço lento
hemorrágico
como o vento e o passo
que não traço no chão
sagro pegadas incrustadas no vão
as coisas andam passando por mim
meu osso de vidro e aço
como as lágrimas que sequei
no gosto do inaudito
silêncio preciso da pálpebra
de um sorriso
insolúvel
que desembarca no cais do mundo
" traço de um quase" que não sei.
a cidade flutua
e o mar
parado divide ruas como vestígios
eróticos
visgos de memória
no bronze
da história.
no exílio escrito o ritual
do instante clandestino
seu olhar mergulhado para dentro de si
como o impossível de abrir
figurante de si mesma
dentro do texto
sem concessões
atriz principal ( por detrás das cortinas)
atriz principal de incessantes masturbações
femininas
fiel a si mesma.
escrevo o que ela tenta entender
e me morro
num verso de açúcar e sal
"on the edge"
lobotomia existencial
desta neurose urbana
" on the edge: alternative futures. on the edge"
eu leio o verbo que corta hemisférios
cerebrais " searching"
espreguiçando neurônios e terminações
nervosas
morrendo a paz "I search"
quero abraçar a tristeza existencial
e dormir no limbo das alusões
literárias
derretendo ídolos de cera
estranha de mim mesma
e não há saída
desta pele que a poesia não expele
na tentativa de espremer o caldo
entre o cérebro e a carne
e a língua que não me traduz ou acompanha
"always on the edge" à margem do toque
"always on the edge" na borda de uma xícara
de chá, no sal
do meu drink, na ponta
dos pés " on the edge
of my sharpened pencil" na ponta
da minha caneta preta,
na plataforma úmida dos cílios no suicídio
das lágrimas
na ponta do meu cigarro no trago de
heróis em quadrinho ao alcance dos mitos
nos jardins de pedra e o corpo
se estica
do outro lado da praça,
tocando meu transe, um cristo
convida ao sexo
e atravessa a poesia
(nesta guerra semiológica rasa
eu me sinto uma rasura semântica)
não sou filha do vento
não me sustento
não me encontro na coerência
o desejo e a conivência
do silêncio crescem o ouvido
de tudo que não digo do impreciso
listo
dos abismos que me cercam
(e se a linguagem voasse à mesma velocidade teria
chegado mais perto)
hoje eu não dormirei
a faca escava a ausência e corta o céu
na polidez da tua demência semiótica
eu sou da lua pálida
esta deusa fálica
enquanto você finge
regar flores sem abrigo
e escreve gemidos
lambe tua língua
enquanto tu te vingas
de mim não terás o gosto
nem o veneno da tinta
te estanca no teu céu sutil anil
teu céu linguístico
que não me surgiu.


Shala Andirá

sábado, 13 de novembro de 2010

O paralelismo do pensamento e o vento_ Dói-me a cabeça e o fundo dos olhos

Ela partiu a cabeça ao meio na intenção do recheio e na construção de flores deu de cara com o objeto, um pequeno furo discreto por onde desabava inteiro o paralelismo dos seus universos. Internos. A esquizofrenia chegou mansa, pôs na cabeça a flor cinzenta e como uma criança que dança seu ritmo desconstruiu precipícios entrelaçando as linhas vermelhas verdes e amarelas das virtudes e dos vícios. O pensamento era o resquício de tudo que não tem fim simplesmente por que não tem início. Existe, na plenitude do risco de caminhar sobre a corda bamba do olhar
(até onde o olho pensa que aguenta enxergar).

Shala Andirá

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Para Ferreira Gullar e Paulo Leminski _ Do Seu Corpo de Nuvem

Era preciso falar poesia
ao abrigo da luz
(do dia)
em minha casa
varrida
( seu corpo
de nuvem)
o poema sujo inundava
o corredor de palavras
minha mãe sentada a beira do Rio
dizia:
anjo sente muito frio
mas não reza pelo estio.



Shala Andirá

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Meu amor eu juro

E o homem continua então morrendo na véspera do amor. Mas morrerei infinitas vezes até que o amor seja colhido verde pra madurar em minha saliva de sede. 

Shala Andirá

Ele veio faminto, nas pálpebras de um sorriso impreciso, em busca do vício.

extremo oposto.

Então era tarde. Nunca acendo as luzes da cozinha na madrugada, bebo água do filtro, e o líquido, no escuro, tem gosto firme de barro diluído. A percepção da cegueira é aguçada. Reafirmo meus pés sobre o chão da aurora no marulhar da enseada. Alguma coisa me segura. Ana Cristina dorme ao meu lado e se dedica. Na cama o braço se enlaça ao oposto, como uma velha algema que me abraça ao som dos uivos das vidraças sem rosto e intensifica. O vento está a minha caça. Corro o risco. Quando não esperamos mais a realidade se antecipa. Seguro com cuidado materno sua sombra em minhas mãos. Costuro suas formas em mutação a meus pés, e danço.

Shala Andirá

Da solidão

Um espasmo busca no sono
o gosto de não dormir.
A coreografia dos versos
dá saudade da simplicidade
dos verbos. Já não sei amar
de terno. Já aprendi a chorar
baixinho o que antes soluçava
em busca de palavras. Esta noite
já não tenho aspas agasalhos
ou cedilhas
aprendi a chorar baixinho
enquanto escrevo a falta que
me trilha. Ilha.

Shala Andirá

domingo, 7 de novembro de 2010

À Ceia - "I have saved this afternoon for you"

eu queria conseguir parar
de escrever gotas do meu sangue no ar
mas o corte vem de dentro
onde a lâmina teima e tenta
esvair a eternidade do teu

resquicioso paladar
sempre adivinhei sombras, sobras
em minhas veias o sangue esfria
e deita
desejo teus lábios à ceia
fome noturna, a palavra
solta se desagrega, como um jogo

que deu velha
este gosto de não acontecer
esta sede de escorrer contida
de ser comida
estes nós de espera na barriga lisa
estranheza que em silêncio me grita:
fica.
nem sei se te reconheço ainda
nesta ausência que pela garganta
desliza
( o velho estranho ainda
me excita)
desisti de comer
vou mastigar Eliot e viver de brisa
enquanto em você, algo me eterniza.


Shala Andirá

Para Ana C. _ O que sai pela boca não é o verso ( é o que desconverso)_ o nascimento do hamster

Dos signos: sinto. Me reconheço na curvatura dos teus pequenos lábios. No perfil lábil. mordo as cordas vocais para travar o que sai ao avesso. escrevo. meu corpo coberto de gesso. o tato do livro e o cheiro. é sempre está calma o meu desespero. cheguei o nariz bem perto para respirar as prováveis rugas se estivesses aqui em contexto ("eu sou eu e minhas circunstâncias"). anarquia ironia e um algo doce nesta falta extrema de lugar ( que vicia) fazendo arqueologia das reentrâncias. sem a euforia da infância. queria te oferecer meus seios (pequenos e fartos como os teus), mas há sede ao invés de leite. leio de trás para frente. e ainda não sei se o mundo me aprende. 

Shala Andirá

O olho do olhar_ Desafio ao óbvio

Enxerga-se até onde o olho suporta o infinito extremo oposto dentro dos olhos do olhar. Talvez por isso o olho cego veja além do que é de visionar. Quantas portas surdas és capaz de abrir com as mãos do teu paladar? Quantos tatos tem a língua mãe do teu olhar antes do vento mudar tudo de lugar.

Shala Andirá

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Um convite ao infinito: Mostra-me tua face

Ela costura fibras de noite
ao vestido
enquanto a morte
sussurra segredos
aos pés dos seus ouvidos


Ele, na janela, prega
seus dias
às luzes das velas
enquanto a vida finge
ser bela

(Diante da tela, os homens
morrem na véspera
do amor.
O corpo limitado, explode
de desejo ou definha de dor.
A Alma vai e volta
entre os delírios da febre e o
aconchego do torpor
entre o corredor da morte
e a vida confortável de um cobertor.)

O amor
vastidão perene, descansa
na ante véspera do
humano
aguarda o ser
profano que ouse
se crescer para além, muito
além da dor
inerente
ao seu tamanho
de gente.

A morte, é apenas um convite
à vida.
Sente.

Shala Andirá

Do discurso_ em busca do corpo

Sou eu e o discurso, o curso desta imensidão. Preciso falar, autofagiar a grafia que me definha inexprimível. Impalpável irreprimível, sou eu e o discurso seguindo o curso deste rio sem margem, sou eu e o discurso que atravessa a paisagem em busca do corpo que hora afunda hora nada hora flutua. Sou eu que escrevo nua, o que me despe.

Shala Andirá

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O caminho para casa

Profícuo é caminhar em direção ao teu olhar e entrar no inexprimível ser que de dentro me convida a amar. Prenúncio de invasão é oferenda até que a entrega nos renda.
O resto, é lenda!

Shala Andirá

CorpoXAlma doente: Diálogo: Apenas cigarros explosivos _O grandíssissimo cataclisma da Deus Morta

Tu explicas e eu não caibo
amar é a única possibilidade real
de tocar o inexplicável.

Escrevo apenas por que a noite é azul e
chovem estrelas.
Escrevo por que não me cabe o desejo
de tê-las
ainda que tenha o dom de senti-las
escrevo por que sinto o gosto
dos sentidos além dos zumbidos ao

ouvi-las
ainda o tanto mais quanto mais
este silêncio me lança e exila.
A noite é azul e chovem estrelas
o vento há ou não de varrê-las
vai com Deus ou qualquer um
dos anjos que te prometeu o sul ao norte
eu escrevo por que não me cabe a morte.
É preciso começar do começo
para chegar ao avesso
o efêmero pode ser tão quente e eterno
quanto uma fração de segundos ternos
pode durar a intensidade de um inverno, o
tempo, é apenas um sopro, interno.
A expectativa pode ser tão cruel
quanto a bondade
parece contraditório para alguém com uma só face
cresça tuas verdades, e só aí, ouse
a eternidade.
O dano do não pode ser um caminho ao céu
da individuação
esta felicidade que entregas na palma
das minhas mãos (tábua de salvação)
sem lamento
devolvo teu coração
não carrego nada que pese
meu corpo flutua, a escolha é só
e só tua, me leve (ou não).
" Damaged people are dangerous,
cause they know they survive"
Eu sempre sobrevivo. "I'm alive"
breve como o líquido que me bebe
e o sólido que me consome
a aurora me devora e
a madrugada me deflora
ao amor eu me ofereço de graça
quando ergo em seu nome
a minha taça. É minha a escolha da faca.
Eu me entrego a morte, como quem casa.
Busca alguém que te caiba,
ainda que
no espelho não saibas,
teu tamanho te cabe
debaixo das minhas infinitas saias.
Eu sou sede e fome
sou ausência de nome
o efêmero me come eterno
enquanto anoiteço sol de inverno.
Este amor que você prega
é egoísmo, isso passa
amargo como o dia
seguinte a um porre de cachaça
ou esta tua vidinha embaçada atrás da vidraça.
Basta uma pedra e seu tudo se estilhaça. E eu
continuo, nada.
Teu amor é prato raso.
O meu alastro. Sangro o rastro.
Vazo.
Se ofereço lealdade é em nome da vastidão
que apenas trago: apenas cigarros


Shala Andirá

Tragar: 1 Beber; engolir de um trago 2 Devorar avidamente, engolir sem mastigar 3 Engolir a fumaça do cigarro, e em seguida fazê-la sair, a maior parte, pelas fossas nasais, e o restante pela boca. 4 Fazer desaparecer; absorver, sorver: 5 Aspirar, impregnar-se de 6 Aniquilar, destruir 7 Sofrer, suportar, tolerar sem reagir 8 Devorar com os olhos, olhar com avidez 9 Acreditar.



terça-feira, 2 de novembro de 2010

A morte só varre o que nunca existiu. O infinito é uma escolha que mora na memória da carne, ainda que o verbo desencarne e finja que partiu.


Shala Andirá

Sentimentos vastos

Nos pastos ágeis
dos sentimentos vastos
só há lugar para cavalos
selvagens.
Eu resgato saudades
apontando
o grafite da carne.
Desenho verbos pervertidos
contraio a paz dos sentidos.
Costuro a casa dos teus ossos
aos meus ócios e óbitos
construo destroços
em vosso trono, te faço
meu dono.
Te espero mansa, até que
este cheiro na garganta
te alcança e
tua cela em pelo
me revela.
Entrego-me pura
minha fúria
às gotas de cura
quando de nós se mistura
aço poesia e textura.
Construções são retratos da mente e
assim como
mitos não conduzem ao coração,
estribos são fidelidade à ilusão.
Entrego-me a ti
de dentro
às paisagens involuntárias
onde o sangue se ferve
sem cuidados ou tormentos
até que o olho não suporte mais visão
e a alma galope ao
ponto de fusão do que pulsa
sem definição.


Shala Andirá






Madurando manhãs

Esticada ao sol
a pele rompe:
vagem virgem

(esfinge de fogo
ao jogo cinge)

Se podes ser pensamentos
acena com a lava do vento

O ciúme é fibra amargurada
(algema de gelo)
mais nada

Morte prateada da madrugada
o amor é carne salgada

Morre-se de sede
madurando manhãs
no calor úmido das brasas

Vive-se da fome
madurando pequenas mortes
mastigadas.


Shala Andirá