quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Do vazio

Então era isso. _ Dormi com aquela vontade insustentável de ser precipício e abrigo. E era o lençol fechando as pálpebras do corpo. Revelada na câmara escura do teu olho que me sumia no colo da noite._ Ela era ele, ele o vazio.

Shala Andirá

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Do Êxtase

Mas havia ainda um último cálice a me banhar. _Seu sangue escorrido na carne do mangue. Um corpo estanque e as gotas negras despertam do olho o luar. _É cheia a noite. E eu, está falta de lugar que desenhas no teu colo, para te embalar.

Shala Andirá

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Why don't you leave


Cansada da lucidez dos poros, da embriaguez pulsante no óbvio das entrelinhas e do excesso de espaço, ela bebeu devagarinho os estilhaços de sua pele.
Debaixo da pele, o corpo.
Íntimo.
“The noise remains” mas o frasquinho de solidão restringe e permanence.
Silêncio.
Pintor de santos e alcovas, o homem com a câmera na mão em busca do anjo negro no imprevisível de seus medos. “The search is to look what isn’t to be found”. O íntimo é só o que permanence.
Segredo.
Na iminência de ser revelado.
Sagrado.

Shala Andirá

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Do Escuro

Minhas palavras são de areia, há uma vácuo em minhas veias, escorri centelhas pelos punhos, e foi num segundo, a vida me esvaiu de tudo. Hoje sou nada , este mar de sal e água nada, no escuro.

Shala Andirá

domingo, 17 de outubro de 2010

Dos anjos

Será da natureza do anjo
ao contrário do que dizem os mais
incrédulos e insensíveis humanos
andar sobre duas pernas
e plantar palavras ternas
sobre a face tenra
da terra.

Shala Andirá

Da bandeja do coração

Do outro lado do muro
onde moram os sonhos
no brilho escuro do ouro insone
quem sabe
agente em si se encontre

Não espero companhia
mas se te sentares

à mesa

das minhas incertezas
onde são servidas as últimas gotas
da palavra
paixão à sobremesa
a vela da saudade
será toda minha e tua
na bandeja
do coração.


Shala Andirá






Life is a punchline! Laugh at it!

Shala Andirá

Do talvez

Os dentes da palavra em riste
O desejo lateja e se
cumprido nos desiste (?)

Abaixo do profundo
mora o fim (?)

do mundo (?)

Na sanidade ou na estupidez
Melhor mesmo seja a falta
de razão
que existe na realidade

única

do talvez.


Shala Andirá

Do espírito absoluto da mulher - Fecundando Pássaros

No alto
do mais alto
ramo
acima da
escada
de espinhos

fecundando pássaros
ela orvalha o luto
das rosas
além do último
passo.

Esquecida
do alcance
das mãos
deslumbra a lua
provocando marés.

A migração de
pássaros grávidos
leva aos homens
de coragem
a coragem de sua fé.


Shala Andirá

O corpo

Há uma taça

Um tinto
preenche o lado
o lábio
e dentro
este silêncio
frágil

Meu copo denso
meu corpo
intenso

e
lábil

Inteiro
interno
terno
como o Sereno
o verso
e o inverno

É que eu Orvalho
do olho e me
espalho, mas
aqui não há folhas
de dormideiras
desejando
despertar
há bolhas
e encolhas
neste lugar

Preciso da tua
beira
cachoeira
para mesa de
cebeceira
ainda que chova
e eu
me escorra
e morra
sem nunca te tocar.

Shala Andirá

sábado, 16 de outubro de 2010

Do intelecto: regiões do Sentir

Eu não tenho a
eloquência
do verbo,
este terno,
eu tenho o outono
o inverno
e o inferno ebulindo verões
primaveras e este céu eterno,
todos emigrando:
do peito
para os cadernos.

Nota de rodapé: Outono e inverno são estações perpétuas
nas regiões de peito aberto.


Shala Andirá

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Do Poeta

Eu hoje sou esta multidão vagando para nenhum lugar, sou esta massa disforme sem espelho que me contorne sou ausência de estar. Eu hoje sou esta pele fora de hora, sou esta carne flora. Se ao menos eu fosse poeta, haveria o reconhecimento de um olhar, mas hoje, hoje eu sou esta que suspira sussurrando urros apenas para não sufocar.

Shala Andirá

Da Intimidade

Do íntimo
silencio ecos
sou sua
estranha,
esta mansidão que arranha.
Não me acolha
escolha com seus dedos
lentos dedilhar
meus ventos,
sentimentos
são movimentos breves,
não se encolha
escolha com seus olhos
atrevidos perturbar
os meus sentidos
confundir os meus ouvidos
com quase sorrisos.
Sou estranha
não me privo de
não fazer sentido.

Shala Andirá

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

No templo das sementes

Quando o mundo
acorda o meu desacordo
corda amarrada
em torno do poço
manilhado
do meu pescoço

Chaminé apertada
para o grosso
fosso
onde planto
estrelas
abaixo
do esboço

Há água potável
no fundo do osso

No céu azul corre
um rio de sol
Um raio insolente
brinca
no lençol

E eu que
fechei
cortinas
para esquecer
a cor invasiva
dos dias

Hoje sinto o
frio ardil
nas gentes
prisioneiras
das ruínas
da mente

Quantos séculos
dura um segundo
no templo
das sementes

A Guerra
dos veios da
terra
no silêncio
metálico da
cratera
invade as
mandíbulas
das minas
do sul

Nas quinas
da noite
a fragilidade da
rima
no fundo da
gruta escura
ou seiscentos
metros
acima

Nos quintais da
morte a foice
soterrada ao norte
calou-se no
Atacama
diante da vontade
da vida
que brinda
insana

Está noite
cavalgo uma
legião de leões
em chama
a multidão
amarela
dos mares acima
da janela
inflama

Meu coração
estrela solar
rutila por toda
a cama
A esperança
brota
flor humana.

Shala Andirá

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Para Vladimir Maiakoviski IV: Sob os calcanhares da tua dança

Confesso que me consumo
no vício de criar galinhas
nas entrelinhas

e vem você
com a via láctea inteira e
suas estrelas
e vem você com esta vontade
incessante em remetê-las

e vem você com o céu
repleto e o peito
incompleto:

Uma pancadaria azul

Espancamento a céu aberto
do teu sol
na plenitude do meu pálido
deserto

de certo
restarei carcaça:
bico, unhas e fumaça

penas esvoaçadas
na sirene dos séculos
de tuas inauditas palavras

lábios e vidraças
onde a boca da poesia
alcança

e me lança

sob os calcanhares
da tua dança.

Shala Andirá

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Para Vladimir Maiakóviski III - Da flor amarela

Ando
discreta
ao que me
excreta

Devoluta
greta

Creta
secreta

Grava
ereta
do
broche
solar
que me
espeta

e prega.

Shala Andirá




Para Vladimir Maiakóviski II- Um Sonho Inciso

Caem por nós
os úmidos lençóis
das noites de outubro

Me cubro

Deitada na cova
nua do teu queixo
me deixo
me descubro

pêssego de carne
madura
sumo escorrido
no vinco
do teu sorriso

fúlgido

visco de um sonho
impreciso
luz confusa
onde fui
indecente dissoluta
indefesa fruta

presa
na fratura tesa
do dente
inciso

Súbita.




Shala Andirá

domingo, 10 de outubro de 2010

Para Vladimir Maiakóvski I - A memória do céu azul: hóstia de sol na poética escarlate do meu lençol.

A névoa de outubro
divulsiona o escuro
em busca,
o que se perdeu
entre tu e eu
na fenda
refuta

Seiva bruta

Meu corpo chove azul
esta ousadia leoparda,
meio mulher meio puta
meio sinuosa pauta
provocando o
rutilo íngreme
de tua espada reclusa

Lauta luta

Dos músculos
másculos de teu
rosto mastigado
ao monte farto
da sobrancelha
em seu preciso arco
me atiro
ao nada
enquanto a inteligível
cigarrilha
me traga
no timbre grave
dos braços
de tua gravata

No entrave agudo
dos verbos
arrumando livros
eruditos
entre ternos
diante da ignorância
geográfica, seus
nervos de ferro e
o inverno do sexo,
luva uterina
tateada no intelecto
sensível dos meus
cadernos

Coágulo inscrito
do beijo cego
que dos lábios ao olho
escapa, escarpa,
ecos de fumaça
de encontro a pupila dilatada
da tua vidraça,
memória do céu
nublado
que me tapa e os
fios de sol costurando
a pele como
farpas
de flores amarelas,
trelas
na pequenez
da janela
de tua cela

Goela
(chaminé de minha
matemática vela)

Fumo
para marcar a dissidência
do meu suor
despida
na solubilidade efêmera
da fumaça cerebral
que te cerca
com requintes.
Bebo
para explicitar
o éter
(amor volátil)
no hálito, vértice
do meu peito
hexágono,
dízima periódica
de sexo
num sem fim
de favos em brinde.

E eu ainda me atreveria
estrangulada, medula
de tua flauta,
se você subisse
espremendo o vinco
do teu vínculo
de encontro à grade,
perturbaria o universo
confundindo a neblina
explícita
com o vapor de licor
alcoólico do
fumo espesso
que me assina:
escarlate assassina

Vício e
Víscera

Trincheiras de poeira
invadindo
frinchas com
coisas que já desejei
como minhas,
noites de atonia e a
agonia dos dias,
escorrendo nos
dentes da eucaristia

Nas partes do teu corpo
que se confundem com o
mofo,
o desejo confuso
me estofa de treva
enquanto derreto,
hóstia solar
na relva quente
da tua barba
serrada
mordendo a trava do
ângulo obtuso
que te reza
e apressa
o sangue escuso

Lâmina atraída
pelo brilho sanguíneo
abuso
do teu queixo
meu uso e
caem por nós
os úmidos lençóis
das noites de outubro.


Shala Andirá



A Flauta Vértebra

A todos vocês,
que eu amei e que eu amo,
ícones guardados num coração-caverna,
como quem num banquete ergue a taça e celebra,
repleto de versos levanto meu crânio.

Penso, mais de uma vez:
seria melhor talvez
pôr-me o ponto final de um balaço.
Em todo caso
eu
hoje vou dar meu concerto de adeus.

Memória!
Convoca aos salões do cérebro
um renque inumerável de amadas.
Verte o riso de pupila em pupila,

veste a noite de núpcias passadas.
De corpo a corpo verta a alegria.
esta noite ficará na História.
Hoje executarei meus versos
na flauta de minhas próprias vértebras.

Vladimir Maiakóviski (tradução: Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman)








Um único trago

Te acalma na senda
assenta.

O sublime não oferta
nem ofende.

O infinito é lenda,
se acaba além do nada
se inicia ao que acende

Atente:

o Amor,
éter valente,
volatiliza o que apreende e
se te aprende

Bravo!

É este o único trago
a que tens direito
sem estrago
incessantemente.


Shala Andirá

sábado, 9 de outubro de 2010

Dos Gigantes


Então era o barro
o escarro do velho
Anjo

Colisão de fonemas acres
impelidos no massacre
da treva espessa

Esta sabida dor de cabeça
Luz à fronte
que padeça

Acorde antes que o gigante adormeça
o sangue submerso

tu te cresces a cada verso

Ecoa intenso interno
teu implosivo inverso
pluriverso

Da prostituição do ser
cresce avesso
o teu verbo

Caveira do ego
estalada à prego.

Shala Andirá

domingo, 3 de outubro de 2010

Casa de Louças

Acordei com o caminho das garras
na porcelana ainda pastosa do pescoço.
Vi através do espelho as noites
escritas na órbita
do meu olho. Silêncios que escolho
adotando vertigens inexprimíveis.
Solo da imensidão
onde o mundo só existe neste
centímetro entre a língua
e a violação,
solto na vermelhidão, no porte
do ventre.
Acostumada a excessos,
nada é suficiente ou sobra,
os trajetos da boca
rasgando lábios ampliam
a lascívia da gula,
gritos de avesso arrebatado
costuram dúbio e sinuoso
o músculo viscoso da língua
com poros de agulha.
Pétala fagulha na forja dos olhos
formigando venenos de taturana
mãos de coragem avançam poros
dedos sugados
pela clandestinidade afiada
das próprias arestas
inauguram cheiros pólens especiarias
e o néctar da frestas
dobras e raspas
de canelas entrelaçadas no aço
incandescente das panelas. Rangendo
goelas, soerguida em tua sela
bocas e dentes e a virulência canibal
batendo janelas. O dedo em anzol
passeia em busca
do líquido em festa,
repousando ondulações mamíferas
na polpa linguística, fisga
o assoalho da boca
trazendo a ponta da outra
lígula ao fundo
do ouvido para tocar
de leve o cérebro cinza
que fervido num zumbido se vinga
escorrendo tintas.
Patas descascam peles
derretendo maquiagens internas o
sangue crescente
do termômetro molda o vidro
e a chama triangular esculpida
no favo quente das velas
dos sentidos.
Súbitos sumos em sentinela e os
frutos amadurecem lentamente,
comem as derradeiras membranas florais
da primavera. O chão se rompe,
maxilar desabrochado no rasto
dos teus passos, como quem mastiga
carne tenra de longas esperas.
Coração marinado na saliva furtiva,
ração de gosto apurado,
grão de razão torneado no barro ágil
da sensualidade.
O vapor do raciocínio, neblina
desfalecida na agudeza do
espírito, artesão
ao avesso do ser que pensa
está inteligência de prensa no gozo,
demônio cúmplice urdido no ferrão do olho para
o uso completo do corpo.
A lógica dos cacos
a fusão complexa no calor da febre
a desnaturação das arrogâncias, rombo
que permite a penetração,
cuspindo cóleras e súplicas
em fuga espontânea
arremessando chinelos e
convenções dominicais
duvidando da autenticidade de qualquer
possibilidade genuína de paz.
As coleiras dos braços e pernas
fechadas em garras
engalfinhando óleos corporais essenciais
é sagacidade
fugaz,
confessa Mea culpa.
A ironia soberana vaza o
sarcasmo do riso
sobre a culpa.
Um risco na medula sagrando
a nuca ao pó
herético, lambendo-me os pés em batismo
lascivo e úmido
Visgo
autoritário estético submisso
e a astúcia do erro
atravessando a verdade
as varas da vontade
atravessando o desconhecido
a força pontiaguda
atravessando a pele fina da velocidade
a devassidão
atravessando o rastro
num andar lento fundo e sedento
interrompido
fluido fruido
até o descontrole despótico do ímpeto
convulso
na alavanca soberana do ópio
deslizando demônios e papoulas dos olhos
até que a vida ganhe outro peso
e se perca
(da denúncia repressiva da cerca
desfalecida sobre o farpado das
formigas)
na enxurada de cálculos
na fluidez dos algarismos encachoeirados
no mimetismo do espasmo agudo
sem caminho de volta, sem escolta
ligústro de minha alma
(sacerdotisa
do pé que me lambe
serva
da língua que me pisa)
na aceitação da amputação das pernas
e um instante branco varrendo o cérebro
à devastação.
Massas exauridas despojadas da sova
na cama da solidão,
cada um sobrevive
ao que acredita,
até que os números lancem nova corda
de equações
em torno dos músculos órfãos.
Nesta casa de louças,
dissimulando demolições,
eu acredito nas ausências
mascadas no isolamento da orfandade
reconstruindo a lucidez da alma
sem o disfarce do apetite.


Shala Andirá