domingo, 10 de outubro de 2010

Para Vladimir Maiakóvski I - A memória do céu azul: hóstia de sol na poética escarlate do meu lençol.

A névoa de outubro
divulsiona o escuro
em busca,
o que se perdeu
entre tu e eu
na fenda
refuta

Seiva bruta

Meu corpo chove azul
esta ousadia leoparda,
meio mulher meio puta
meio sinuosa pauta
provocando o
rutilo íngreme
de tua espada reclusa

Lauta luta

Dos músculos
másculos de teu
rosto mastigado
ao monte farto
da sobrancelha
em seu preciso arco
me atiro
ao nada
enquanto a inteligível
cigarrilha
me traga
no timbre grave
dos braços
de tua gravata

No entrave agudo
dos verbos
arrumando livros
eruditos
entre ternos
diante da ignorância
geográfica, seus
nervos de ferro e
o inverno do sexo,
luva uterina
tateada no intelecto
sensível dos meus
cadernos

Coágulo inscrito
do beijo cego
que dos lábios ao olho
escapa, escarpa,
ecos de fumaça
de encontro a pupila dilatada
da tua vidraça,
memória do céu
nublado
que me tapa e os
fios de sol costurando
a pele como
farpas
de flores amarelas,
trelas
na pequenez
da janela
de tua cela

Goela
(chaminé de minha
matemática vela)

Fumo
para marcar a dissidência
do meu suor
despida
na solubilidade efêmera
da fumaça cerebral
que te cerca
com requintes.
Bebo
para explicitar
o éter
(amor volátil)
no hálito, vértice
do meu peito
hexágono,
dízima periódica
de sexo
num sem fim
de favos em brinde.

E eu ainda me atreveria
estrangulada, medula
de tua flauta,
se você subisse
espremendo o vinco
do teu vínculo
de encontro à grade,
perturbaria o universo
confundindo a neblina
explícita
com o vapor de licor
alcoólico do
fumo espesso
que me assina:
escarlate assassina

Vício e
Víscera

Trincheiras de poeira
invadindo
frinchas com
coisas que já desejei
como minhas,
noites de atonia e a
agonia dos dias,
escorrendo nos
dentes da eucaristia

Nas partes do teu corpo
que se confundem com o
mofo,
o desejo confuso
me estofa de treva
enquanto derreto,
hóstia solar
na relva quente
da tua barba
serrada
mordendo a trava do
ângulo obtuso
que te reza
e apressa
o sangue escuso

Lâmina atraída
pelo brilho sanguíneo
abuso
do teu queixo
meu uso e
caem por nós
os úmidos lençóis
das noites de outubro.


Shala Andirá



A Flauta Vértebra

A todos vocês,
que eu amei e que eu amo,
ícones guardados num coração-caverna,
como quem num banquete ergue a taça e celebra,
repleto de versos levanto meu crânio.

Penso, mais de uma vez:
seria melhor talvez
pôr-me o ponto final de um balaço.
Em todo caso
eu
hoje vou dar meu concerto de adeus.

Memória!
Convoca aos salões do cérebro
um renque inumerável de amadas.
Verte o riso de pupila em pupila,

veste a noite de núpcias passadas.
De corpo a corpo verta a alegria.
esta noite ficará na História.
Hoje executarei meus versos
na flauta de minhas próprias vértebras.

Vladimir Maiakóviski (tradução: Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman)








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